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‘Lula tinha que estar na cadeia’, afirma decano da Lava Jato

Para Carlos Fernando dos Santos Lima, o STF está no centro do desmonte da operação e virou “fonte de insegurança jurídica”. “Existem estruturas dentro do Judiciário jogando a favor da impunidade.”

    Entrevista com Carlos Fernando dos Santos Lima ex-procurador da Lava Jato
Conhecido entre os colegas como o “decano” da Lava Jato, o procurador da República Carlos Fernando dos Santos Lima, aposentado desde 2019, participou ativamente dos primórdios da operação que se tornaria a maior investigação de combate à corrupção vista no Brasil. Como o membro mais experiente da força-tarefa de Curitiba, ajudou a desenhar estratégias importantes no rastro do esquema de corrupção na Petrobras e impulsionou métodos que fizeram parte da essência da Lava Jato, como os acordos de delação e leniência.

Também assinou uma das denúncias mais célebres da operação, a que levou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à condenação e à prisão por suspeita de receber propinas da OAS na forma de um apartamento triplex no Guarujá, no litoral paulista. A condenação de Lula foi revertida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), contrariando decisões das instâncias inferiores. “Para mim, Lula tinha que estar na cadeia”, afirma em entrevista ao Estadão.

Para Carlos Fernando dos Santos Lima, o STF está no centro do desmonte da operação e virou “fonte de insegurança jurídica”. “Existem estruturas dentro do Judiciário jogando a favor da impunidade.”

O procurador aposentado nega excessos da Lava Jato e vê nas acusações de abuso uma tentativa de desqualificar a investigação. “O Ministério Público só sofre o que está sofrendo porque fez o certo e fez bem feito. Os fatos aconteceram.”

Ele alerta que a chance de surgir uma nova operação de combate à corrupção nos moldes da Lava Jato é remota. “O poder político se torna incontrolável quando se vê acuado daquela maneira.”

O que gerou a mudança na sistemática que vigorava antes da Lava Jato no combate à corrupção?

A Lava Jato começa como uma operação sobre doleiros. E esse trabalho de investigação e persecução de doleiros já vinha sendo um padrão muito conhecido dos procuradores de Curitiba, porque desde o Caso Banestado nós tínhamos o know how de fazer esse tipo de investigação. Investigar doleiros, fazer busca e apreensão, recorrer a mecanismos de bloqueio de ativos no Brasil e no exterior, fazer contato com autoridades estrangeiras, fechar colaborações premiadas, antes de a própria lei existir. Nós desenvolvemos toda essa expertise.

Outro componente é que o Paraná é uma rota necessária da lavagem de dinheiro no Brasil, que se utiliza de dólares, que vêm basicamente do Paraguai.

Junte-se a isso 2013, manifestações de rua exigindo um governo mais limpo, uma sensação de que alguma coisa errada estava acontecendo. Isso também vem do próprio Mensalão. O Mensalão e a Lava Jato são basicamente a mesma coisa: como o Partido dos Trabalhadores gerenciou propina para sustentação do seu governo.

Diante desse mundo todo, aconteceu que essa operação contra doleiros teve a felicidade de prender um velho conhecido, que era Alberto Youssef.

Muitas investigações e ações da Lava Jato foram arquivadas com base no argumento de que as acusações dos delatores não se comprovaram. Hoje, empresas também buscam uma revisão e até a anulação de suas leniências. Como vê o momento atual dessas colaborações?

A maior parte das vezes isso tudo é fumaça. O que existe é uma guerra de versões e fica tudo por isso mesmo. Em colaborações premiadas, o principal é exaurir a fase pré-assinatura. É fazer uma longa negociação até perceber que a pessoa se comprometeu realmente em entregar os fatos.

É um jogo muito pesado os colaboradores investirem contra a colaboração. Alguns estão fazendo isso porque não querem pagar as multas. E o que está acontecendo hoje é que existem estruturas dentro do Judiciário jogando a favor da impunidade, jogando a favor da destruição da Lava Jato. Se as colaborações forem feitas conforme as orientações internas do Ministério Público Federal, são um instituto poderoso.

São também complementares. Enquanto a colaboração de um executivo traz a história, mas dificilmente traz os documentos, a leniência da empresa traz os documentos, mas dificilmente tem a história por trás deles. Então, essa conjunção gerou uma propensão ao crescimento geométrico das investigações.

O que está acontecendo hoje é que existem estruturas dentro do Judiciário jogando a favor da impunidade, jogando a favor da destruição da Lava Jato

Carlos Fernando dos Santos Lima

Agora, há colaborações mal feitas. Algumas delas eu imputo, por exemplo, à Procuradoria-Geral da República. A colaboração do Delcídio do Amaral, do (Nestor) Cerveró ou da própria JBS deram no quê? Nós tínhamos, naquela época, um elemento que estava trabalhando mais para si do que para o Ministério Público. As provas têm que vir pelo próprio colaborador ou, pelo menos, ele indicar bons caminhos. Eu também me pergunto se a PGR foi atrás das provas. Cabe ao Ministério Público investigar com base na colaboração, não basta dizer que não há provas.

Há interesses de legisladores e de ministros do Supremo, que estão lá muitas vezes na defesa de agrupamentos políticos. Infelizmente, nossa democracia é assim mesmo. Aí basta uma canetada de um ministro, porque hoje não se julga mais coletivamente, para ter toda essa confusão que foi instaurada.

O ministro Gilmar Mendes chegou a defender a revisão da competência do MPF para fechar colaborações. Como avalia o risco de o MPF ser alijado dessa função?

Há um interesse de alijar o Ministério Público de toda área de investigação. Isso há muito tempo. Quem tem medo do Ministério Público, tem que falar mal do Ministério Público, porque o Ministério Público sabe fazer investigação. O STF, que deveria ser fonte da nossa segurança jurídica, hoje é fonte da insegurança jurídica. Durante a Lava Jato, nós tentávamos agir conforme a jurisprudência. A condução coercitiva só foi proibida depois que nós fizemos. A própria regra do recolhimento para prisão após julgamento de segundo grau, voltaram atrás de uma decisão que já tinham tomado. Fica difícil porque ninguém é capaz de fazer um processo seguro quando você tem, a toda hora, o risco de uma decisão monocrática de um ministro reverter todo o histórico de jurisprudência.

Houve excessos dos atores do sistema de justiça?

Isso é terminologia típica de quem quer jogar para a população e tentar desqualificar o oponente. O Ministério Público só sofre o que está sofrendo porque fez o certo e fez bem feito. Os fatos aconteceram.

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