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Depois de expulsar freiras e prender bispo, Ortega compra briga com o papa

Perfeito representante da velha esquerda, presidente nicaraguense ataca até o papa argentino, em quem poderia ter um bom aliado

   Daniel Ortega está atacado, com sinais de perda não só do senso de oportunidade política como do juízo. Nos últimos dias, desafiou o papa, expulsou a embaixadora da União Europeia e ofendeu o presidente de esquerda do Chile, Gabriel Boric.

“Quem elege os padres, quem elege os bispos, o papa, os cardeais?”, provocou num discurso assistido pela cúpula da polícia e a mulher, Rosario Murillo, sua vice e, dizem, manipuladora.

“Desde quando os padres dão golpes de estado e desde quando têm autoridade para falar de democracia?’’, arremeteu, emendando para chamar a Igreja de “ditadura perfeita, tirania perfeita”.

“Eu diria a sua santidade, o papa, com todo respeito, às autoridades da Igreja católica, que como católico não me sinto representado por tudo que conhecemos dessa história terrível, mas também porque ouvimos falar de democracia e não praticam a democracia”.

“Seria uma revolução se o papa fosse eleito pelo povo católico do mundo”.

É, obviamente, uma cretinice mal intencionada. A Igreja é uma instituição religiosa com regras estabelecidas ao longo de dois mil anos de história, não uma república, de bananas ou não. Quem não gostar, saia ou mude de religião.

O bispo Silvio José Báez, com a liberdade de expressão de quem vive no exílio, respondeu pelo Twitter: “Quanta ignorância, quanta mentira e quanto cinismo! Um ditador dando aulas de democracia; alguém que exerce o poder de forma ilegítima, criticando a autoridade que Jesus outorgou à sua Igreja; alguém que é ateu, lamentando não se sentir representado pela Igreja”.

Ortega foi o líder da revolução sandinista, o movimento guerrilheiro de esquerda que conseguiu derrubar a ditadura do clã Somoza. Instalado no poder, foi dando um jeito de não sair mais. Hoje chefia um regime ditatorial e corrupto, com toques de surrealismo imprimidos pelas intervenções “esotéricas” da mulher. Os ideais esquerdistas, abraçados entusiasticamente na época por padres ligados à Teologia da Libertação, foram substituídos pelo caudilhismo grosseiro.

Alguns líderes sandinistas sobreviventes repudiaram a transformação e representantes da Igreja apoiaram as manifestações de protesto de 2018, reprimidas com tiros na cabeça quando a coisa pareceu pender para a mudança de regime. É por causa desse apoio que Ortega falou em “alguns bispos, alguns padres, que convocaram as pessoas a me passar chumbo, para me matar”.

As agressões contra a Igreja aumentaram este ano. Daniel Ortega expulsou o núncio apostólico e 18 freiras da congregação fundada por Madre Teresa de Calcutá, que foi santificada. Depois de um cerco de quinze dias à sede episcopal da dioceses da cidade de Matagalpa, mandou colocar em prisão domiciliar o bispo Rolando Álvarez. Prendeu os padres e laicos que o acompanhavam. 

A insanidade mais recente foi proibir procissões como a que seria feita com uma imagem de Nossa Senhora de Fátima.  Também foram vetadas as procissões em homenagem a São Jerônimo e São Miguel Arcanjo, tradicionais da cidade de Masaya.

Proibir Nossa Senhora parece coisa de livro sobre ditador latino-americano enlouquecido. Revela também que Ortega desperdiçou a simpatia do papa Francisco, com sus raízes plantadas no peronismo argentino, por regimes de inclinação esquerdista. O papa vinha sendo criticado justamente por não condenar os abusos praticados na Nicarágua. Quando falou, cautelosamente, manifestou “preocupação e dor pela situação criada na Nicarágua” e pediu “um diálogo aberto e sincero”.

A Nicarágua é um país pobre, com 15% do PIB gerado pelas remessas feitas pelos cidadãos que emigraram para os Estados Unidos, mas Ortega, depois de um primeiro governo desastroso,  não cometeu as insanidades autodestrutivas de Hugo Chávez – embora também dependesse da bolsa-petróleo.

Tem espaço para continuar no poder por um bom tempo, beneficiando-se agora da onda de presidentes esquerdistas na América Latina. Todos rezam no altar da velha esquerda. A exceção é Gabriel Boric, do Chile, que demonstrou não aceitar a tese da esquerda segundo a qual “não se deve falar mal de amigos”.

“Fico louco quando quem é de esquerda não pode falar da Venezuela ou da Nicarágua”, repetiu ele na semana passada, depois de criticar os dois regimes em discurso na ONU.

Ortega respondeu agora: Boric é um “cachorrinho” dos Estados Unidos, disse.

A embaixadora Bettina Muscheidt foi declarada persona non grata por pronunciamentos da União Europeia pedindo a restauração da democracia e a libertação de presos políticos.

A diferença que faz para Ortega é zero. Ele tem mãos livres para comprar briga com a Europa, os Estados Unidos e até com o papa. Ele acha que neutraliza sanções com negócios, literalmente, da China.

Para a Igreja católica, em encolhimento diante do aumento de evangélicos, talvez seja até uma vantagem: perseguições religiosas costumam reforçar a fé.

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