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Supremo suspende sessão com 3 votos a 1 a favor da prisão após condenação em 2ª instância

 Três ministros do Supremo Tribunal Federal votaram nesta quarta-feira (23) a favor do início do cumprimento da pena de prisão de réus condenados na segunda instância da Justiça, antes mesmo do chamado trânsito em julgado da sentença (momento em que se esgotam todas as possibilidade de recurso). Um ministro votou contra.

COMO VOTARAM OS MINISTROS NESTA QUARTA

A FAVOR DA 2ª INSTÂNCIACONTRA A 2ª INSTÂNCIA
Alexandre de MoraesMarco Aurélio Mello
Edson Fachin 
Luís Roberto Barroso 

O julgamento foi suspenso no fim da tarde e será retomado nesta quinta-feira (24). Faltam os votos dos outros sete ministros.

O primeiro a votar nesta quarta foi o relator, ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF). Ele votou pela mudança no entendimento da Corte, a fim de derrubar a autorização para que condenados na segunda instância da Justiça comecem a cumprir pena de prisão antes mesmo do chamado trânsito em julgado da sentença.

Em seu voto, o ministro também determina a soltura de condenados em segunda instância que estejam presos, exceto aqueles que possam ser alvo de prisão preventiva, como presos perigosos ou que representem risco à sociedade.

Mais cedo, a Advocacia-Geral da União (AGU) e a Procuradoria-Geral da República (PGR) apresentaram suas manifestações, a favor da manutenção da execução provisória das penas.

 

MARCO AURÉLIO MELLO

No voto, Marco Aurélio Mello afirmou que sua visão do tema é desde sempre conhecida. “Desde sempre implemento a resistência democrática e republicana na matéria, incontáveis habeas corpus voltados a preservar a liberdade de ir e vir do cidadão”, afirmou.

Mello afirmou que observará o pronunciamento da Corte, mesmo que seja contrário à sua posição, porque será vinculante (valerá para todos os casos na Justiça). Mas defendeu que “a culpa surge após alcançada a preclusão maior”.

Ainda segundo o relator, “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

“A literalidade do preceito não deixa margem a dúvidas: a culpa é pressuposto da sanção, e a constatação ocorre apenas com a preclusão maior”, afirmou. “O dispositivo não abre campo a controvérsias semânticas.”

Para Mello, a Constituição de 1988 “consagrou a excepcionalidade da custódia no sistema penal brasileiro, sobretudo no tocante à supressão da liberdade anterior ao trânsito em julgado da decisão condenatória”. “A regra é apurar para (…) prender, em execução da pena, que não admite a forma provisória.”

O relator argumentou que uma pessoa que tem recursos pendentes ainda pode ser absolvida. E se ela for presa antes, ninguém poderá devolver a ela o tempo da liberdade perdida. “A liberdade será devolvida ao cidadão? Àquele que surge como inocente? A resposta é negativa.”

ALEXANDRE DE MORAES

Alexandre de Moraes divergiu do relator e defendeu a manutenção do entendimento que permite prisões após a condenações em segunda instância.

Alexandre de Moraes disse que “ignorar o juízo de mérito das duas instâncias é enfraquecer o Poder Judiciário, as instâncias ordinárias [primeira e segunda instância]”. “A presunção de inocência não é desrespeitada com a prisão após a decisão condenatória de segundo grau”, afirmou.

“O Brasil prende muito e prende mal, porque nós temos: um terço somente de presos com violência ou grave ameaça, um terço, tráfico de drogas, e o outro terço, presos por crimes sem violência ou grave ameaça, principalmente patrimoniais”, disse. “Nós somos responsáveis por entregar ao crime organizado, soldados”, criticou o ministro.

Para o ministro, esse diagnóstico, no entanto, não tem relação com a possibilidade de prisão em segunda instancia. “Tem, sim, relação com manutenção em prisões em flagrante que são convertidas em preventivas”, argumentou.

EDSON FACHIN

O ministro Edson Fachin foi o segundo a votar a favor da prisão de condenados em segunda instância.

Segundo o ministro, o “acusado durante o processo deve gozar de todas as garantias de liberdade plenas”, mas “é inviável que toda e qualquer prisão só possa ter seu cumprimento iniciado quando o último recurso da última Corte tenha sido examinado”.

Para Fachin, os recursos aos tribunais superiores não têm o efeito de suspender a execução das penas.

“Não faria sentido exigir-se que a atividade persecutória do estado se estendesse também aos tribunais superiores. Entendo que há um limite”, afirmou.

LUÍS ROBERTO BARROSO

O ministro Luís Roberto Barroso foi o terceiro a votar a favor da prisão de condenados por um órgão colegiado, argumentando que a prisão com o trânsito em julgado trouxe um sistema que possibilitou a “infindável apresentação de recursos protelatórios” por parte de advogados. “O Supremo em boa hora mudou essa jurisprudência”, afirmou.

Segundo o ministro, a demora na punição trouxe descrédito e “realidade de impunidade”. “Aqui nós decidimos a primeira, a segunda, depois a terceira, estamos decidindo a quarta”, criticou.

Barroso apresentou números sobre o sistema penitenciário para defender que a possibilidade da execução da pena diminuiu o índice de encarceramento no Brasil e que o percentual de prisões provisórias caiu depois que o STF permitiu a prisão em segunda instância.

“Isso demonstra que a nova orientação não agravou o problema do encarceramento e pode indicar que os tribunais de apelação passaram a ser mais cauteloso e os juízes de primeira instancia passaram a decretar menos prisões provisórias”, disse.

Barroso argumentou ainda que “não foram os pobres que mobilizaram os mais brilhantes e caros advogados do país”. “Numa sociedade estratificada como a nossa, há uma clara divisão entre crimes de pobre e crimes de rico. Os crimes que mais geram ocupação de vaga no sistema são os crimes dos pobres”, completou.

Posicionamentos da AGU e da PGR

ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO (AGU)

O advogado-geral da União, André Luiz de Almeida Mendonça, afirmou que o estado deve garantir direitos violados das vítimas. O ministro defendeu que os princípios da Constituição garantem o justo processo e, não à toa, a presunção da inocência e a prisão estão em momentos diferentes no texto constitucional.

“Interpretar a Constituição é concretizá-la. Porque ela tem que ser aplicada na vida em sociedade”, afirmou. “Toda a Europa trata nesse sentido, de separar presunção de inocência de prisão. Essa é a jurisprudência de direitos humanos.”

Mendonça disse ainda que o direito individual não é o direito do mais forte e não se dirige apenas ao estado. “Quem defende o direito individual das vítimas? Quem defende o direito de ir e vir das vítimas? O direito à vida das vítimas? O direito de ela sair do trabalho e ir com segurança em um transporte público? Saber que seu filho foi com segurança para a escola? Eu vi várias defesas de direitos individuais. Não vi defesa do direito das vítimas”, completou.

PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA (PGR)

O procurador-geral da República, Augusto Aras, argumentou que a prisão após a condenação por colegiado somente deixou de ser aplicada entre 2009 e 2016. E que somente os que têm mais recursos conseguem ter acesso às instâncias superiores.

Aras afirmou que, “em tempos de polarização”, é preciso uma solução que favoreça uma integração social e a unidade política. “Ao nos afastarmos de um eventual raciocínio maniqueísta, o réu tem algo necessariamente acrescido em sua condição após sua sentença condenatória”, disse.

Segundo o PGR, as instâncias extraordinárias, como o Superior Tribunal de Justiça, estão voltadas ao julgamento de teses e não de casos, “acessíveis apenas a alguns que dispõem de maiores recursos e mais bem situados pela fortuna que sua sorte lhes atribui”.

ENTIDADES

Antes, representantes de duas entidades apresentaram as duas últimas manifestações contrárias à prisão em segunda instância. Miguel Pereira Neto, do Instituto dos Advogados de São Paulo, disse que a presunção de inocência é garantia de todo cidadão e o Supremo não pode colocar isso em risco. “A garantia da presunção de inocência é garantia maior da pessoa humana”, disse.

O advogado Técio Lins e Silva, do Instituto dos Advogados do Brasil, disse que a prisão após o trânsito em julgado é regra prevista na Constituição. “Esta ação não interessa a meia dúzia de ricos, acabar com a Lava Jato, tornar impune a corrupção”, complementou.

Entenda o julgamento

O plenário analisa um tipo de ação cujo efeito é chamado “erga omnes”. Ou seja, a decisão valerá para todas as instâncias do Poder Judiciário e será vinculante, portanto, de cumprimento obrigatório.

Os ministros julgarão três ações declaratórias de constitucionalidade, apresentadas pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), pelo PCdoB e pelo Patriota.

Quando o STF iniciou a análise sobre o tema, na semana passada, presidente do STF, Dias Toffoli, afirmou que as ações e o julgamento “não se referem a nenhuma situação particular”.

Em 2016, a Corte permitiu a prisão de condenados em segunda instância, alterando um entendimento que vinha sendo seguido desde 2009, segundo o qual só cabia prisão após o último recurso.

A Corte manteve esse entendimento por mais três vezes, mas a análise de mérito das ações permanece em aberto. Por isso, juízes e até ministros do STF têm decidido de forma divergente sobre essas prisões.

Argumentos

O sistema penal brasileiro é baseado no princípio chamado de duplo grau de jurisdição (duas instâncias julgadoras). Para que um réu seja condenado, é preciso que um juiz de primeira instância dê uma sentença e que a decisão seja confirmada por um colegiado, por exemplo, de desembargadores, como é o caso de um Tribunal de Justiça estadual.

A partir da condenação em segunda instância, o réu ainda pode recorrer em alguns às cortes superiores, ou seja, ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao Supremo Tribunal Federal.

No STJ e no STF, contudo, provas e fatos não são reanalisados, somente questões de direito e de aplicação lei, como eventuais contestações constitucionais. É esse ponto que divide advogados, juristas e o próprio Supremo.

Aqueles que defendem a prisão após a segunda instância afirmam que, na prática, os tribunais superiores se transformaram em terceira e quarta instâncias da Justiça, com dezenas de recursos de réus.

Os críticos desse tipo de prisão entendem que a presunção da inocência é um direito constitucional, o que garante a todo cidadão dispor de todos os recursos possíveis para se defender, incluindo os cabíveis aos tribunais superiores. Até o último recurso, portanto, ninguém pode cumprir pena.

Julgamentos sobre o tema:

  • 17 de fevereiro de 2016: plenário definiu em um caso específico que a pena poderia ser executada após a condenação na segunda instância e que o réu poderia recorrer, mas preso. A decisão inverteu o entendimento que vinha sendo aplicado pelo STF desde 2009, segundo o qual era preciso aguardar o julgamento de todos os recursos antes da prisão;
  • 5 de outubro de 2016: STF julgou medidas cautelares apresentadas pelo PEN e pela OAB e decidiu confirmar a possibilidade de prisão após segunda instância;
  • 11 de novembro de 2016: Supremo voltou a julgar o tema, no plenário virtual, e manteve a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância;
  • 4 de abril de 2018: ao negar um habeas corpus ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a Corte reafirmou a jurisprudência de que a prisão é possível após a condenação em segunda instância.

Impacto da decisão

Uma mudança na atual jurisprudência do STF poderia, em tese, beneficiar milhares de presos. Mas isso vai depender da análise caso a caso. Presos considerados perigosos ou que estiverem presos preventivamente, por exemplo, não poderão ser soltos.

Um dos casos de maior repercussão relacionado ao tema é o do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Lula foi condenado pelo Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do triplex em Guarujá (SP).

O ex-presidente, preso desde abril de 2018, seria solto caso o STF decidisse que uma pessoa só pode ser presa depois que não houver mais possibilidade de recursos na Justiça. Lula também poderia ser beneficiado por uma tese intermediária, já que ainda tem um recurso pendente no STJ.

Nos casos do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha e do ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral, entretanto, a eventual mudança de entendimento do STF não os tira da cadeia.

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