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“Maçonaria não é uma seita; não há prática de rituais satânicos”

Dirigentes do GOE-MT falam sobre elementos, símbolos e regras da irmandade, que existe há séculos

    A Maçonaria é uma sociedade que há mais de três séculos desperta a curiosidade nos leigos. Para o grão-mestre do Grande Oriente do Estado de Mato Grosso, Gelson Menegatti Filho, muitas das lendas que se criaram em torno dela se deve à discrição de seus membros.

Na semana passada, dirigentes da potência maçônica Grande Oriente do Estado de Mato Grosso (GOE-MT) receberam o MidiaNews para uma rara e didática entrevista, em que desmistificaram alguns aspectos da Maçonaria, como seu caráter reservado, o que faz muitos acreditarem que se trata de uma seita.

“A Maçonaria não é uma seita, não é uma religião. Ela é eclética. Aqui temos cristãos, muçulmanos, judeus, todos os segmentos”, disse Menegatti.

“Não é uma seita. Então não há prática de rituais satânicos. Completamente o oposto. O maçom não trabalha sem antes abrir o livro da lei, mais conhecido como a Bíblia ou como livro sagrado de cada religião”, acrescentou.

A entrevista, que contou também com o grão-mestre-adjunto, Josué Paulo Fernandes, também abordou a origem da associação no Estado, alguns casos polêmicos envolvendo membros e o papel destinado à mulher.

Os dirigentes ainda mostraram o interior do templo onde as cerimônias ritualísticas acontecem a portas fechadas, em sessões de 2 horas. A estrutura é feita à semelhança do tabernáculo de Moisés, construído para levar o seu povo à terra prometida, e está repleto de elementos simbólicos.

Paula Shaira/ MidiaNews

Interior do templo onde acontecem reuniões a portas fechadas com os maçons

Confira os principais trechos da entrevista:

MidiaNews – Muitos termos são usados para se referir à Maçonaria: organização, fraternidade, sociedade. Há até quem considere uma seita. Como podemos definir a Maçonaria?

Gelson Menegatti Filho – A Maçonaria não é uma seita, não é uma religião. Ela é eclética. Aqui temos cristãos, muçulmanos, judeus, todos os segmentos. Ou seja, não nos denominamos uma religião. Um dos compromissos para ser maçom é crer em um ente superior, crer na existência de Deus. Não temos maçons ateus, isso já desmistifica a questão da seita.

MidiaNews – Já os locais de encontros são denominados de oficinas, ateliês ou lojas. Por que o emprego desses termos? Elas têm ligações entre si?

Gelson Menegatti Filho – Porque loja, ateliê ou oficina é um local de trabalho, é onde o maçom vai trabalhar, é onde exerce o ofício de ser maçom. De acordo com alguns ritos, há a denominação de templos; outros salas. Há uma variação grande dentro da ordem de acordo com a ritualística que é praticada para aquela reunião.

Hoje existem três grandes potências maçônicas: Grande Oriente do Brasil, Grande Oriente do Estado de Mato Grosso e Grande Loja de Mato Grosso. No Oriente do Brasil, eles são federados a uma sede em Brasília. E, no nosso caso, os Grandes Orientes estaduais são confederados à Confederação Maçônica do Brasil. Já as Grandes Lojas são confederadas à Confederação da Maçonaria Simbólica Brasileira. Entendemos que essas três correntes são a Maçonaria regular, que se reconhecem entre si, se visitam, se frequentam.

Paula Shaira/ MidiaNews

Josué Paulo Fernandes durante entrevista com o MidiaNews

MidiaNews – Falem um pouco da história da Maçonaria em Cuiabá?

Josué Paulo Fernandes – A primeira loja maçônica de Cuiabá foi aberta no ano de 1831, menos de nove anos após a Independência do País. Chamava-se Loja Razão e foi fundada por um grupo heterogêneo de 12 irmãos vindos de diversas partes do Brasil e da Europa. Alguns deles eram portugueses. Havia também um médico francês. Uns eram militares, outros políticos, advogados. Essa é nossa origem aqui em Mato Grosso. 

Por causa de um episódio conhecido como a Rusga Cuiabana [revolta no período regencial brasileiro], acabou por findar-se, em consequência dos problemas políticos vividos naquela época. Alguns irmãos foram para Goiás e fundaram lá uma nova loja.

Depois tivemos outra loja em Cuiabá. Em 1872, chamava-se Estrela do Ocidente, que sobreviveu até 1898. Em maio de 1900 surgiu a Acácia Cuiabana, hoje com 122 anos. Ela jamais deixou de trabalhar durante todo esse tempo, com exceção na época de Estado Novo de Getúlio Vargas, na década de 30, em que as associações como a Maçonaria foram proibidas de se reunir.

Em 1918 tivemos aqui a gripe espanhola e a Maçonaria participou, junto ao poder público, no combate, ajudando a população a lidar com os efeitos daquela pandemia que ceifou a vida de muitos cuiabanos e mato-grossenses. É uma instituição que se mantém ao longo do tempo, independente dos acontecimentos econômicos e sociais que ocorreram nesse período.

A Maçonaria vem da Inglaterra, da Irlanda e da Escócia, daí por diante se espalhou pelo mundo e talvez o país que hoje mais tenha maçons são os Estados Unidos. A Maçonaria do Brasil hoje é respeitada.

MidiaNews – Algo que desperta curiosidade são os símbolos, como “o olho que tudo vê”, o compasso, o esquadro…

Paula Shaira/ MidiaNews

Traje denominado alfaia usado durante as reuniões dos maçons

Josué Paulo Fernandes – Certas explicações do valor simbólico do que nós chamamos de instrumentos de trabalho são reservados às nossas sessões fechadas, aos nossos templos.

Gelson Menegatti Filho – São instrumentos de trabalho do maçom. Um esquadro, um compasso trazem mil interpretações. São usados como um símbolo que o mundo todo reconhece. O “G” que todo mundo vê é Deus, só que é mantido na língua saxônica “God”. E como o Jusué falou: isso é mais restrito às sessões, à formação do homem maçom.

MidiaNews – Há quem ainda associe a Maçonaria a rituais satânicos. De onde surgiu esse tipo de pensamento?

Gelson Menegatti Filho – São lendas! Talvez a curiosidade, criatividade e imaginação do ser humano. A curiosidade de porque aquele senhor vestindo preto se reúne, e vão criando-se as lendas. Na verdade, não existe nada disso. Como falei: não é uma seita. Então não há pratica de rituais satânicos. Completamente o oposto. O maçom não trabalha sem antes abrir o livro da lei, mais conhecido como a Bíblia, ou como livro sagrado de cada religião.

MidiaNews – Como são definidos os cargos dentro da Maçonaria?

Gelson Menegatti Filho – Nos Grandes Orientes, na Grande Loja, os dirigentes das associações que reúnem as lojas chamam-se grão-mestre, ou seja, há um grão-mestre e um grão-mestre-adjunto. Cada loja tem também um venerável mestre. E são esses três cargos que dirigem a Maçonaria. Todos são eleitos pelo voto direto dos irmãos.

O grão-mestre dirige toda a congregação, a federação de lojas que estão reunidas aqui no Grande Oriente e, em sua ausência, é o grão-mestre-adjunto. Já cada loja é dirigida por um venerável mestre, ou seja, tem o presidente da loja e o presidente do Grande Oriente

O venerável mestre é mandato de um ano, no caso do Grande Oriente do Estado de Mato Grosso. E o grão-mestre de três anos, mas pode variar de potência para potência, uns têm reeleição, outros não.

MidiaNews – Há registro sobre a quantidade de membros da Maçonaria?

Gelson Menegatti Filho – A Maçonaria de Mato Grosso tem cerca de 10 mil membros. Só no Grande Oriente do Estado são mais de 2.200 membros. No mundo todo são cerca de 6 milhões.

MidiaNews – Qual é a filosofia, o conceito da Maçonaria?

Josué Paulo Fernandes – Através de um método próprio de ensino, reservado aos seus membros, a Maçonaria busca fazer – do seu jeito específico de ser – com que a pessoa se conheça mais e melhor, transmita para o ambiente social em que vive e trabalha esses valores que são sadios, sagrados e saudáveis.

Paula Shaira/ MidiaNews

Josué Paulo Fernandes e Gelson Menegatti Filho

Esse método busca a edificação espiritual do ser humano, por isso estudamos diversas correntes filosóficas, alguns conceitos religiosos, tudo aquilo que pode fomentar a base espiritual do ser humano. Isso é trabalhado em nossas lojas e templos, com o objetivo de contribuir acom a evolução da própria sociedade através das ações que a gente coloca a serviço fora dos nossos ambientes, dos nossos templos. Mas em síntese é o aprimoramento moral, ético e intelectual do ser humano.

MidiaNews – Por qual razão as mulheres não podem ser membros da Maçonaria?

Gelson Menegatti Filho – A mulher é essencial para o maçom. Elas – esposas – têm atividades nos clubes fraternos criados dentro da ordem, dirigem ações sociais, mas não são maçons. Porque é uma associação estritamente formada de homens. Houve uma discussão [a esse respeito] na conferência mundial desse ano, mas foi completamente reprovado.

O maçom não é machista, por incrível que pareça, ele abomina essa ideia. Não é que não participar das reuniões queira dizer que isso é pratica de machismo. As mulheres podem ter uma associação delas e nós não somos obrigados a exigir que nos deixem participar. Então eu não vejo como machismo.

Para nós, a figura feminina é sagrada, tanto que nas chamadas sessões brancas as mulheres são homenageadas – as cunhadas. Agora, elas não participam do trabalho ritualístico. 

MidiaNews – O que é preciso para se tornar um maçom?

Gelson Menegatti Filho – Para se tornar um membro, o homem é observado por muito tempo pelos demais e depois vem o convite. A exigência é crer num ente supremo, crer em Deus, e ser livre e de bons costumes.

Josué Paulo Fernandes – Não quer dizer que a gente acerta sempre.

Gelson Menegatti Filho – Nem tudo você consegue separar o joio do trigo, é bem dizer impossível. Não existe o homem perfeito, mulher perfeita. Apesar de toda a seleção, às vezes, a gente acaba errando no resultado.

MidiaNews – Existem casos polêmicos, como a do bacharel em direito acusado de estelionato, e de desembargadores que teriam desviado dinheiro para o pagamento de dívidas de uma cooperativa. Em que isso afeta a imagem da Maçonaria?

Gelson Menegatti Filho – É aquilo que falamos, nem tudo que se traz, que se seleciona, você consegue selecionar certo. Nessa questão do bacharel, é uma pessoa que se aproveitou de uma situação, tanto que ele foi excluído da ordem. Digo que não afeta, porque tomamos as medidas necessárias. A gente sente, o impacto é grande, não deixa de ser ruim. Mas por mais que a gente selecione, acaba encontrando pessoas de má fé. A Maçonaria nunca aconselhou ninguém a participar nesse sentido, não pregamos isso, é completamente o contrário.

Já a questão dos senhores magistrados, houve a prova da inocência. Não houve o desvio de dinheiro de forma nenhuma. Então isso é uma história contada completamente ao contrário. Tanto que está surgindo a reintegração dos senhores magistrados que foram afetados por algo que ocorreu há muitos anos, mas não foi o Grande Oriente do Estado de Mato Grosso. Eles são maçons, mas isso era um problema de uma cooperativa e não da Maçonaria. Então, houve uma colocação, uma pecha na Maçonaria nesse sentido.

Agora, os senhores magistrados têm mostrado para a sociedade que estão sendo reintegrados, os processos transitaram e foi completamente trazida a absolvição. Eu digo que são pessoas inocentes, senão, não seriam reconduzidas.

O maçom não é machista, por incrível que pareça, ele abomina essa ideia. Não é que não participar das reuniões queira dizer que isso é pratica de machismo. As mulheres podem ter uma associação

MidiaNews – Uma dentre as muitas lendas que cercam a irmandade é a de que somente membros de classes mais abastadas a integram. O que diria sobre isso?

Gelson Menegatti Filho – No ceio da Maçonaria temos todas as profissões. Temos jornalistas, motoristas de aplicativo, de ônibus, pilotos de avião, médicos, juízes, engenheiros, policiais militares, coronéis. Nós temos membros de todos os poderes aquisitivos, de todas as camadas da sociedade, por isso que ela é heterogênea e funciona. E não quer dizer que se você é uma pessoa abastada você será um bom maçom. A Maçonaria não se preocupa com o que você tem, se preocupa com quem você é, o que você é.

MidiaNews – Fala-se também em juramentos feitos para se manter na ordem da Maçonaria. Em que esses juramentos consistem?

Josué Paulo Fernandes – O que existem são comprometimentos que cada um faz diante das regras que a associação tem. Todas as associações têm os seus regramentos. Fala-se de juramento, mas são, na verdade, compromissos que a pessoa firma com aquela associação, mais para a questão da frequência aos trabalhos e ao cumprimento de missões que lhes são confiadas. É nesse sentido, de engajamento.

A crença popular fala em juramentos de sangue, mas isso não existe. São lendas e crendices que se formam em torno de uma sociedade que se mantém, digamos assim, discreta. Não é nenhuma socidade secreta, é discreta. A loja tem o seu CNPJ, faz sua prestação de contas naturalmente, como tem que ser.

MidiaNews – Também se fala em rituais secretos feitos pelos membros. Esses rituais de fato acontecem? Por qual razão são mantidos em segredo?

Gelson Menegatti Filho – É uma reunião, uma tradição que vem desde 1717. Tudo que acontece ali interessa aos maçons, aos membros, o que nós discutimos é para a formação do homem. Usamos trajes apresentáveis, é uma cultura, quando você vai para uma reunião tem que estar bem paramentado [coberto de ornamentos], ou seja, bem vestido.

O homem usa o terno, a gravata e o que nós chamamos de alfaias. É uma tradição que vem de séculos, uma formalidade, uma forma formal de se reunir. Já pensou cada um vai com um traje? É uma forma de deixar todos iguais.

Paula Shaira/ MidiaNews

“Todas as associações tem os seus regramentos. Fala-se de juramento, mas são, na verdade, compromissos”

MidiaNews – Quais atividades beneficentes vocês desenvolvem?

Gelson Menegatti Filho – Em 1918, a maçonaria se engajou no combate da gripe espanhola, como agora nos engajamos na questão da pandemia ou qualquer atividade social. Vamos supor que precisamos fazer um evento para ajudar uma Apae (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais), vamos trabalhar, participando com o hospital do câncer, ajudando na manutenção, e assim vai indo. Isso seria uma atividade social, uma forma de fomentar a fraternidade através da filantropia, da ajuda social.

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