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Excludente de ilicitude: o que isso significa&#63

 Durante a campanha eleitoral de Jair Bolsonaro o termo excludente de ilicitude ganhou atenção, pois tornou-se uma bandeira levantada pelo então candidato e por muitos de seus apoiadores. Em 2019, o Ministro da Justiça e Segurança Pública apresentou seu Pacote de Lei Anticrime que, dentre outras propostas, inclui uma mudança no Código Penal no que diz respeito aos excludentes de ilicitude. Mas, afinal, o que é um excludente de ilicitude e porquê isso tem gerado controvérsia?

Primeiramente, o que significa ilicitude?

Para compreender o que são os excludentes, é fundamental compreender o que significa ilicitude. Esse termo refere-se a algo que é considerado ilícito, ou seja, aquilo que é condenado pela lei, que é proibido/ilegal. De acordo com o especialista em direito penal, Guilherme Nucci, ilicitude é um termo utilizado em referência a contradição entre uma conduta e o que está previsto na lei. Ou seja, há ilicitude quando o comportamento/ação de uma pessoa desrespeita alguma lei

Então o que são excludentes de ilicitude?

Excludente de ilicitude é um mecanismo previsto no Código Penal que estabelece a possibilidade de uma pessoa praticar uma ilicitude sem que considere-se isso uma atividade criminosa. Ou seja, o excludente é um mecanismo que permite que uma pessoa pratique uma ação que normalmente seria considerada um crime.

Parece confuso? Vejamos alguns exemplos: 

Seu vizinho vai viajar e você arromba a porta da casa dele e entra. Essa é uma atitude criminosa, mas será que em todos os casos? Não, há cenários em que isso seria permitido. Se você faz isso porque percebe um incêndio e escuta o cachorro de seu vizinho latindo, por exemplo, sua atitude é justificável. Logo, algo que normalmente seria considerado crime (como invadir a casa de seu vizinho e causar um dano à propriedade dele) nesse caso não será.

Outro exemplo é o caso dos policiais. Se em cenário de necessidade um policial matar uma pessoa, ele não será punido por isso.

Como esses exemplos demonstram, a exclusão de ilicitude se aplica a casos que são excepcionais, em que a ação – em tese, ilícita – se justifica. Há diversos cenários em que isso pode ocorrer e, por essa razão, o Código Penal descreve diferentes tipos de excludente de ilicitude:

Art. 23 – Não há crime quando o agente pratica o fato:

I – Em estado de necessidade; 

II – Em legítima defesa; 

III – Em estrito cumprimento legal de dever ou no exercício regular de direito. 

Vejamos mais detalhadamente cada um desses casos.

Estado de necessidade

Art. 24 – Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.

Traduzindo, considera-se estado de necessidade quando um indivíduo comum (ou seja, alguém que não é um profissional da segurança) sacrifica um bem protegido por lei em nome de outra coisa cuja proteção é mais importante. Voltando ao nosso exemplo anterior: o indivíduo julga que respeitar a propriedade de seu vizinho é menos importante do que salvar o cachorro que está preso no incêndio, logo ele sacrifica o primeiro para salvar o segundo.

Para que uma situação seja considerada estado de necessidade e, dessa forma, o indivíduo não seja punido, é necessário que:

a) o perigo não tenha sido provocado intencionalmente pelo indivíduo (digamos que o fogo na casa de seu vizinho foi voluntariamente iniciado por você, por exemplo);

b) o indivíduo não seja um agente da segurança, ou seja, o agente não tem a responsabilidade de proteger;

c) o perigo seja atual/esteja ocorrendo naquele momento.

Legítima defesa

Art. 25 – Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. 

Esse é o tipo mais conhecido dentre os excludentes de ilicitude. Configura-se um caso de legítima defesa quando um indivíduo comete uma agressão contra outra pessoa para proteger a si próprio ou a um terceiro. O perigo precisa ser atual, mas não é necessário que o dano esteja ocorrendo, ele pode ser apenas iminente. Isso significa que a legítima defesa pode ser preventiva,  mas apenas se o perigo for atual. Além disso, não é preciso que a ação seja em defesa própria, pode ser em defesa de outra pessoa.

Por exemplo, se um indivíduo invade sua casa armado e você o agride para proteção própria e/ou de sua família, configura-se um caso de legítima defesa. Não é necessário que o indivíduo esteja prestes a atirar em alguém para que a ação seja justificada.

Mas é importante ressaltar que para que a ação de legítima defesa seja considerada um excludente de ilicitude e o indivíduo não seja punido, é necessário ela seja proporcional à gravidade da ameaça. Ou seja, se uma pessoa que não está armada tenta te assaltar e você mata essa pessoa, sua resposta não configura legítima defesa, pois você atentou contra a vida de alguém que não ameaçava sua vida. Nesses casos, a pessoa pode ser responsabilizada (punida) por uma resposta excessiva. O que é considerada uma reação proporcional ou desproporcional será definido pela justiça em cada caso específico.

Sugestão: Confira nosso post sobre Legítima defesa! 

Estrito cumprimento legal de dever e exercício regular de direito

Este excludente de ilicitude é aplicável àqueles indivíduos que, geralmente em razão de sua profissão, possuem o dever de proteger. É esse tipo de excludente que garante aos policiais e outros agentes de segurança pública que não serão punidos caso seja necessário infligir agressões contra outra pessoa ou causar danos a algum bem. Evidentemente, isso não significa que qualquer agressão realizada por um agente de segurança pública não poderá ser punido. O Art. 23 do Código Penal enfatiza que excessos deverão ser penalizados.

Lei Anticrime e as mudanças no excludente de ilicitude

O termo excludente de ilicitude ganhou bastante atenção durante a campanha eleitoral de Jair Bolsonaro e, posteriormente, em seu mandato. Em seu plano de governo, Bolsonaro defende que “policiais precisam ter certeza de que, no exercício de sua atividade profissional, serão protegidos por uma retaguarda jurídica, garantida pelo Estado, através do excludente de ilicitude”. Essa garantia, como mencionamos ao longo de todo o texto, já existe no Código Penal brasileiro.

No entanto, o Código Penal estabelece que excessos devem ser investigados e punidos. No caso dos agentes de segurança pública, quando um agente comete um ato em tese considerado ilícito (como homicídio, por exemplo), é aberto um processo investigativo para verificar a necessidade da ação e se essa foi uma resposta proporcional.

A proposta do Presidente para ampliar as garantias dos agentes de segurança pública foi apresentada no pacote de Lei Anticrime elaborado pelo Ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro.

O que muda com a Lei Anticrime?

A proposta apresentada por Sérgio Moro altera o Código Penal no que diz respeito aos excludentes de ilicitude em dois pontos.

Primeiramente, o pacote de Lei propõe uma alteração no Art. 23 do Código Penal. Esse Artigo estabelece que, para qualquer tipo de excludente de ilicitude, o agente deverá responder por excesso doloso ou culposo. Isso significa que, caso a ação do agente seja desproporcional ao perigo/situação que provocou a ação, ele poderá ser punido por esse excesso.

A Lei Anticrime de Sérgio Moro propõe que seja adicionado ao Art. 23 um segundo inciso, que estabelece que “o juiz poderá reduzir a pena até a metade ou deixar de aplicá-la se o excesso decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção.” 

A proposta também prevê uma alteração no Art. 25 do Código Penal, que trata da legítima defesa. A ideia é passar a incluir agentes da segurança pública nesse artigo. Atualmente os policiais devem aguardar o início de uma ameaça para poder reagir. Ao incluir os agentes de segurança pública no caso da legítima defesa, eles passarão a ter permissão para agir de forma preventiva, ou seja, realizar uma agressão antes de uma ameaça concreta.

Sugestão: confira nosso post sobre a Lei Anticrime! 

Um ponto de controvérsia

De modo geral, as mudanças propostas pela Lei Anticrime ampliam o excludente de ilicitude para os agentes da segurança pública, proporcionando aos policiais uma maior garantia de que não serão punidos por suas ações. Essa proposta tem dividido opiniões de especialistas e políticos.

O Ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, e o Presidente da República, Jair Bolsonaro, argumentam que a medida é necessária para dar maior segurança aos policiais no exercício de sua atividade e, por consequência, tornar mais eficiente o combate ao crime.

Por outro lado, a proposta foi recebida com bastante preocupação por parte de especialistas e Organizações de Direitos Humanos, que entendem que a proposta aumenta a impunidade da polícia. Para Rafael Custódio, da Conectas Direitos Humanos, o pacote de Lei é preocupante porque legitima os homicídios praticados pelos agentes de segurança.

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