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Lockdown e toque de recolher são inconstitucionais, afirma desembargador

 O protesto contra o isolamento social registrado no domingo 11 em dezenas de Estados do país se juntou a inúmeras manifestações pela volta ao trabalho. A reivindicação é unânime: a reabertura da economia. Não é de hoje que gestores públicos têm emitido decretos autoritários sob a égide do enfrentamento do coronavírus. O governador de Sergipe, por exemplo, editou um decreto que permite ao poder público requisitar “bens móveis e imóveis privados” a fim de “minorar o grave e iminente perigo público”. Em alguns Estados, como São Paulo e Minas Gerais, as pessoas têm hora para voltar para casa. No Rio Grande do Sul, o governador chegou a proibir a venda, em supermercados e estabelecimentos comerciais, de produtos não essenciais.

O desembargador Marcelo Buhatem, presidente da Associação Nacional dos Desembargadores, explicou à Revista Oeste que o lockdown (na avaliação do juiz, parecido com o estado de sítio) e os toques de recolher impostos por prefeitos e governadores são atos inconstitucionais. Confira, abaixo, os principais trechos da entrevista:

1 — Os lockdowns e os toques de recolher são constitucionais?

As restrições que estamos vivendo são quase um estado de sítio. Compete ao governo federal e ao Congresso impô-lo. Isso não ocorreu. É inconstitucional fechar o comércio e proibir as pessoas de sair de casa porque se está violando direitos previstos na nossa Constituição. Vejo com preocupação gente simples, que vende frutas e outras mercadorias, ser violentamente retirada das ruas pela força do Estado. Pode-se até justificar que os decretos municipais e estaduais do isolamento se baseiam na “ciência”, porém, não devemos ignorar que boa parte dos especialistas não enxerga no lockdown a solução para o enfrentamento da pandemia.

2 — Quais direitos estão sendo violados?

De ir e vir, do trabalho, da economia e até da saúde. As restrições não podem ser tão graves a ponto de tirar direitos básicos que a Constituição assegura. Além disso, há inconsistências, como, por exemplo, fechar praias de modo a inibir aglomerações. Mas, em contrapartida, permitir-se a lotação do transporte público. O afastamento social também provocou problemas de caráter psicológico nas pessoas, como a depressão e até casos de suicídio. Ser um gestor, em momentos como este, não é uma tarefa fácil. Precisamos de mais diálogo entre as esferas governamentais.

3 — O que a população pode fazer, por meio da Justiça, para reverter essas medidas inconstitucionais?

A princípio, essas pautas [do lockdown e dos toques de recolher] não deveriam ser de responsabilidade do Poder Judiciário, que está abarrotado de processos — são mais de 80 milhões. Deveria ocorrer uma negociação envolvendo sindicatos, prefeitos, vereadores, deputados, senadores, entre outros. No entanto, como essa ponte foi dinamitada, o assunto acabou indo parar na mesa de juízes. Não é à toa que vemos, rotineiramente, decisões de um tribunal mandando abrir ou fechar o comércio. O que o cidadão pode fazer, hoje, é recorrer à Justiça para solicitar mandados de segurança, pedidos de habeas corpus e outros dispositivos, com a finalidade de se restabelecer direitos. Há casos absurdos em que gestores têm editado decretos que possibilitam o confisco de bens particulares, o que é preocupante. As esferas municipal e estadual tiveram muitos recursos de modo a investir no combate da covid-19. Não se pode sair tomando os bens das pessoas.

4 — A polícia tem ordens para reprimir os eventuais descumprimentos das medidas sanitárias. Um policial pode se recusar a cumprir isso?

Caso se recuse a cumprir as ordens do Estado, ele vai sofrer consequências administrativas, que incluem até a expulsão. Resta saber se o policial vai estar disposto a responder por elas. O que pode ser feito é recorrer ao Judiciário e tentar anular a punição. O agente tem todo o direito de fazê-lo. Provavelmente, o policial alegará: ‘Não cumpri a decisão [do governador ou do prefeito] porque não se cumpre medida ilegal’. Aí, caberá à Justiça decidir o que vai ocorrer.

5 — Impedido pelo STF de agir diretamente contra a decisão dos governadores e prefeitos, o que o presidente Bolsonaro pode fazer?

Pouco, no que diz respeito à disputa entre as esferas estadual e municipal no delineamento das estratégias contra o coronavírus. Compete ao Ministério da Saúde, efetivamente, fazer o que está fazendo: vacinar os brasileiros e adquirir mais imunizantes. [Na decisão do STF que deu a palavra final a Estados e municípios], um tópico me causou estranhamento: no conflito de competências entre o ato administrativo estadual e municipal, valerá o ato mais restritivo, independentemente da questão territorial. Lembro que ambos os atos têm de estar embasados em estudos técnico-científicos. Por exemplo: o decreto de um prefeito terá mais força que o de um governador se for mais rígido. É uma dicotomia que causa perplexidade.

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